COMO CONTAR PARA A CRIANÇA















Entre as muitas perguntas da infância, uma exige explicação para o resto da vida. É quando a criança soropositiva lança: “Que doença eu tenho?”, cita o médico infectologista Robério Dias Leite. O diretor clínico do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) convive, desde 1992, com os questionamentos sobre a aids.

E a resposta a essa pergunta-chave, sublinha o também professor da faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, é uma das mais difíceis de arquitetar: “Você acaba dando uma explicação mais vaga, que tem uma doença que precisa tomar medicamento. Há um tempo para explicar isso”.

A história da aids para as crianças tem vários capítulos e diversos contadores. É uma narrativa que desafia os adultos a dizer sobre os limites da vida a quem tem o viver pela frente. Uma equipe multidisciplinar deve se juntar à família da criança para revelar o diagnóstico. A psicologia se torna um dos amparos nos “altos e baixos” desse caminho.

Ao longo do processo, são enfrentados “vários medos”, aponta Luciana de Souza Rodrigues, psicóloga da Casa de Apoio Sol Nascente – um recanto para crianças que têm vínculo com a aids. “O medo da morte, das injeções, da hospitalização. De todas as fantasias que pairam ao redor (da doença)”, completa.

A revelação na infância é fundamental para a adesão ao tratamento e a convivência responsável com a aids na adolescência (leia-se também no início da vida sexual) e na idade adulta, concordam especialistas. “Contribui para a tomada de consciência, de saber qual seu espaço, de não ser alheio ao que tem”, sintetiza Luciana Rodrigues.

Mas uma pergunta puxa outras, no novelo das curiosidades infantis: qual a melhor idade para falar sobre a aids? E, principalmente, como falar? Para começo de conversa, indica a psicóloga da Casa Sol Nascente, dos 5 aos 7 anos (quando a cognição já se desenvolve) é um ponto de partida. Nessa idade, as crianças iniciam ainda o entendimento sobre alguns cuidados consigo mesmas – evitar cortes, por exemplo.

“É questão de bom senso também. Você não vai falar coisas que ela não vai poder entender”, orienta Luciana. “A ‘revelação’ é iniciada a partir do momento em que a criança começa a perguntar e, geralmente, essas indagações têm a ver com suas idas frequentes ao hospital”, dialoga a psicóloga Terezinha de Andrade Guimarães, mestre em Saúde Pública (Universidade Estadual do Ceará).

Para Terezinha, as crianças têm uma percepção do mundo em redor, muitas vezes, subestimada. Mesmo silenciosa e secreta no cotidiano dos adultos, a aids não passa despercebida pela imaginação infantil. “Quando a criança frequenta o hospital, ouve ou vê sinais de que ali é um lugar para crianças que precisam tratar-se de algo. A partir daí, começa a construir suas próprias hipóteses”, atenta a psicóloga.

Terezinha sabe que as crianças vão direto ao assunto. “Já aconteceu de uma criança perguntar se tinha o (vírus) HIV e sobre o uso da medicação”, destaca. “Ela precisava checar a informação que tinha recebido de sua médica e me trouxe uma lista de perguntas. Volto a lembrar que a parceria entre os profissionais de saúde é fundamental para a revelação do diagnóstico ser bem sucedida”, soma. A propósito, ficou uma questão pendente: como falar de aids para as crianças? É o próximo capítulo desta história.

Por quê

ENTENDA A NOTÍCIA
Nos últimos cinco anos, a aids se vulgariza entre mulheres na idade reprodutiva. A transmissão vertical (de mãe para %uFB01 lho) do vírus HIV tem gerado aumento dos casos de aids na infância. Contar sobre a doença às crianças é essencial para o tratamento de uma vida inteira. E é um dos desa%uFB01 os no cotidiano dos pro%uFB01 ssionais.

SERVIÇO

Associação dos Voluntários do Hospital São José – rua Caio Prado, 83, Parangaba. Tel: 3492 2939Casa de Apoio Sol Nascente – avenida Alberto Craveiro, 2.222, Castelão (Condomínio Espiritual Uirapuru). Tel: 3469 4437Psicóloga Terezinha Guimarães – terezinha_guimaraes@hotmail.com.
Ana Mary C. Cavalcante
anamary@opovo.com.br